O nosso amável e querido Papa emérito Bento XVI, sempre foi um grande teólogo e estudioso, sempre combatendo as mazelas seculares que queriam destruir a Santa Igreja. Sempre foi um grande e ferrenho defensor da Santa Doutrina Católica. Enquanto Cardeal, o Papa Bento XVI, escreveu muitas coisas a respeito de vários temas, como por exemplo escreveu sobre existência de Deus, teve coragem de debater com um ateu sobre o supracitado tema, além de escrever sobre muitas outras coisas. Contudo hoje irei mostrar um texto escrito por ele sobre a dita TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO. Quando nos referimos a ela, ou até mesmo ouvimos as pessoas falar sobre a mesma, ficamos intrigados e surgem em nossa cabeça centenas de dúvidas sobre o tema, mas afinal o que é a teologia da Libertação?, onde surgiu?, o que pretende? a Igreja à aceita? Vejamos a seguir o texto escrito pelo nosso amado Papa Emérito.
A Teologia da Libertação.
por Papa Emérito
Bento XVI
Para esclarecer a minha tarefa
e a minha intenção, com relação ao tema, parecem-me necessárias algumas
observações preliminares:
1) A
teologia da libertação é fenômeno extraordinariamente Complexo. É possível
formar-se um conceito da teologia da libertação segundo o qual ela vai das
posições mais radicalmente marxistas até aquelas que propõem o lugar apropriado
da necessária responsabilidade do cristão para com os pobres e os oprimidos no
contexto de uma carreta teologia eclesial, como fizeram os documentos do CELAM,
de Medellin a Puebla.
O
presente número já estava impresso quando foi publicado o documento da Santa Sé
sobre a Teologia da Libertação.
Será
objeto de estudos no próximo número.
Neste
nosso texto, usaremos o conceito “teologia da libertação” em sentido mais
restrito: sentido que compreende apenas aqueles teólogos que, de algum modo,
fizeram própria a opção fundamental marxista. Mesmo aqui existem, nos
particulares, muitas diferenças que é impossível aprofundar nesta reflexão geral.
Neste contexto posso apenas tentar pôr em evidência algumas linhas fundamentais
que, sem desconhecer as diversas matrizes, são muito difundidas e exercem certa
influência mesmo onde não existe teologia da libertação em sentido estrito.
2) Com
a análise do fenômeno da teologia da libertação torna-se manifesto um perigo
fundamental paro a fé da Igreja. Sem dúvida, é preciso ter presente que um erro
não pode existir se não contém um núcleo de verdade. De fato, um erro é tanto
mais perigoso quanto maior for a proporção do núcleo de verdade assumida. Além
disso, o erro não se poderia apropriar daquela parte de verdade, se essa
verdade fosse suficientemente vivida e testemunhada ali onde é o seu lugar,
isto é, na fé da Igreja. Por isso, ao lado da demonstração do erro e do perigo
da teologia da libertação, é preciso sempre acrescentar a pergunta: que verdade
se esconde no erro e como recupera-la plenamente?
3) A
teologia da libertação é um fenômeno universal sob três pontos de vista:
a) Essa teologia não pretende
constituir-se como um novo tratado teológico ao lado dos outros já existentes;
não pretende, por exemplo, elaborar novos aspectos da ética social da Igreja.
Ela se concebe, antes, como uma nova hermenêutica da fé cristã, quer dizer,
como nova forma de compreensão e de realização do cristianismo na sua
totalidade. Por isto mesmo muda todas as formas da vida eclesial: a
constituição eclesiástica, a liturgia, a catequese, as opções morais;
b) A
teologia da libertação tem certamente o seu centro de gravidade na América
Latina, mas não é, de modo algum, fenômeno exclusivamente latino´americano. Não
se pode pensá-la sem a influência determinante de teólogos europeus e também
norte- americanos. Além do mais, existe também na Índia, no Sri Lanka, nas
Filipinas, em Taiwan, na África embora nesta última esteja em primeiro plano a
busca de uma “teologia africana”. A união dos teólogos do Terceiro Mundo é
fortemente caracterizada pela atenção prestada aos temas da teologia da
libertação;
c) A
teologia da libertação supera os limites confessionais. Um dos mais conhecidos
representantes da teologia da libertação, Hugo Assman, era sacerdote católico e
ensina hoje como professor em uma Faculdade protestante, mas continua a se
apresentar com o pretensão de estar acima das fronteiras confessionais. A
teologia da libertação procura criar, já desde as suas premissas, uma nova
universalidade em virtude da qual as separações clássicas da Igreja devem
perder a sua Importância,
I. O Conceito de Teologia da
Libertação e os Pressupostos de sua Gênese
Essas
observações preliminares, entretanto, já nos introduziram no núcleo do tema.
Deixam aberta, porém, a questão principal: o que é propriamente a teologia da
libertação? Em uma primeira tentativa de resposta, podemos dizer: a teologia da libertação pretende dar nova
interpretação global do Cristianismo; explica o Cristianismo como uma
práxis de libertação e pretende constituir-se, ela mesma, um guia para tal
práxis. Mas assim como, segundo essa teologia, toda realidade é política,
também a libertação é um conceito político e o guia rumo à libertação deve ser
um guia para a ação política.
“Nada
resta fora do empenho político. Tudo existe com uma colocação política”
(Gutierrez). Uma teologia que não seja “prática (o que significa dizer
“essencialmente política”) é considerada “idealista” e condenada como irreal ou
como veículo de conservação dos opressores no poder, Para um teólogo que tenha
aprendido a sua teologia na tradição clássica e que tenha aceitado a sua
vocação espiritual, é difícil imaginar que seriamente se possa esvaziar a
realidade global do Cristianismo em um esquema de práxis sócio-político de
libertação. A coisa é, entretanto, mais difícil, já que os teólogos da
libertação continuam a usar grande parte da linguagem ascética e dogmática da
Igreja em clave nova, de tal modo que aqueles que lêem e que escutam partindo
de outra visão, podem ter a impressão de reencontrar o patrimônio antigo com o
acréscimo apenas de algumas afirmações um pouco estranhas mas que, unidos a
tanta religiosidade, não poderiam ser tão perigosas. Exatamente a radicalidade
da teologia da libertação faz com que a sua gravidade não seja avaliada de modo
suficiente; não entra em nenhum esquema de heresia até hoje existente, A sua
colocação, já de partida, situa-se fora daquilo que pode ser colhido pelos
tradicionais sistemas de discussão. Por isto tentarei abordar a orientação
fundamental da teologia da libertação em duas etapas: primeiramente é
necessário dizer algo acerca dos pressupostos que a tornaram possível; a
seguir, desejo aprofundar alguns dos conceitos base que permitem conhecer algo
da estrutura da teologia da libertação. Como se chegou a esta orientação
completamente nova do pensamento teológico, que se exprime na leolog1a da
libertação? Vejo principalmente três: fatores que a tornaram possível.
1) Após o Concílio, produziu-se uma situação
teológica nova:
a) Surgiu
a opinião de que a tradição teológica existente até então não era mais
aceitável e, por conseguinte, se deviam procurar, o partir da Escritura e dos
sinais dos tempos, orientações teológicas e espirituais totalmente novas;
b) A ideia
de abertura ao mundo e de compromisso no mundo transformou-se frequentemente em
uma fé ingênua nas ciências; uma fé que acolheu as ciências humanas como um
novo evangelho, sem querer ,reconhecer os seus limites e problemas próprios. A
psicologia, a sociologia e a interpretação marxista da história foram
considerados como cientificamente seguras e, a seguir, como instâncias não mais
contestáveis do pensamento cristão;
c) A
critica da tradição por parte da exegese evangélica moderna, especialmente o de
Bultmann e da sua escola, tornou-se uma, instância teológica inamovível que
barrou a estrada às formas até então válidas da teologia, encorajando assim
também novas construções.
2) A situação teológica assim
transformada coincidiu com uma situação da historia espiritual também ela
modificada. Ao final da fase de reconstrução após a segunda guerra mundial,
fase que coincidiu pouco mais ou menos com o término do Concilio, produziu-se
no mundo ocidental um sensível vazio de significado, ao qual a filosofia
existencialista ainda em voga não estava em condições de dar alguma resposta.
Nesta situação, as diferentes formas do neo-marxismo transformaram-se em um
impulso moral e, ao mesmo tempo, em uma promessa de significado que parecia
quase irresistível à juventude universal. O marxismo, com as acentuações
religiosas de Bloch e as filosofias dotadas de rigor científico de Adorno,
Harkheimer, Habernas e Marcuse, ofereceram modelos de ação com os quais alguns
pensadores acreditavam poder responder ao desafio da miséria no mundo e, ao
mesmo tempo, poder atualizar o sentido correto da mensagem bíblica.
3) O
desafio moral da pobreza e da opressão não se podia mais ignorar, no momento em
que a Europa e a América do Norte atingiam uma opulência até então
desconhecida. Este desafio exigia evidentemente nova respostas, que não se
podiam encontrar na tradição existente até aquele momento. A situação teológica
e filosófica mudada convidava expressamente a buscar o resposta em um
cristianismo que se deixasse regular pelos modelos da esperança, aparentemente
fundados cientificamente, das filosofias marxistas.
II. A Estrutura Gnoseológica
Fundamental da Teologia da Libertação
Esta
resposta se apresenta totalmente diversa nas formas particulares de teologia da
libertação, teologia da evolução, teologia política, etc. Não pode, pois, ser
apresentada globalmente, Existem, no entanto, alguns conceitos fundamentais que
se repetem continuamente nas diferentes variações e exprimem comuns intenções
de fundo. Antes de passar aos conceitos fundamentais do conteúdo, é necessário
fazer uma observação a cerca dos elementos estruturais do teologia da
libertação. Paro tal, podemos retomar o que já afirmamos acerca da situação
teológica mudada após o Concilio. Como já disse, leu-se a exegese de Bultmann e
da sua escola como um enunciado da “ciência sobre Jesus”, ciência que devia obviamente
ser considerado como válida. O “Jesus histórico” de Bultmann, entretanto,
apresentava-se separado por um abismo (o próprio Bultmann fala de Graben,
fosso) do Cristo da fé. Segundo Bultmann, Jesus pertence aos pressupostos do
Novo Testamento, permanecendo. porém, encerrado no mundo do judaísmo. O
resultado final dessa exegese consistiu em abalar a credibilidade histórica dos
Evangelhos: o Cristo da tradição eclesial e o Jesus histórico apresentado pela
ciência pertencem evidentemente a dois mundos diferentes. A figura de Jesus foi
erradicada da sua colocação na tradição por ação da ciência, considerada como
instância suprema; deste modo, por um lado, a tradição pairava como algo de
irreal no vazio, e, por outro, devia-se procurar para a figura de Jesus uma
nova interpretação e um novo significado. Bultmann, portanto, adquiriu
importância não tanto pelas suas afirmações positivas quanto pelo resultado
negativo da sua crítica: o núcleo da fé, a cristologia, permaneceu aberto a
novas interpretações porque os seus enunciados originais tinham desaparecido,
na medida em que eram considerados historicamente insustentáveis. Ao mesmo
tempo desautorizava-se o magistério da Igreja, na medida em que o consideravam
preso a uma teoria cientificamente insustentável e, portanto, sem valor como
instância cognoscitiva sobre Jesus. Os seus anunciados podiam ser considerados
somente como definições frustradas de uma posição cientificamente superada.
Além
disso, Bultmann foi importante para o desenvolvimento posterior de uma segunda
palavra- chave. Ele trouxe à moda o antigo conceito de hermenêutica,
conferindo-lhe uma dinâmica nova. Na palavra “hermenêutica” encontra expressão
a ideia de que uma compreensão real dos textos históricos não acontece através
de uma mera interpretação histórica; mas toda interpretação histórica inclui
certas decisões preliminares. A hermenêutica tem a função de “atualizar”, em
conexão com a determinação de dado histórico. Nela, segundo o terminologia
clássica, se trata de um “fusão dos horizontes” entre “então” [“naquele tempo”]
e o “hoje”. Por conseguinte, ela suscita a pergunta: o que significa o então
(“naquele tempo”), nos dias de hoje? O próprio Bultmann respondeu a esta
pergunta servindo-se da filosofia de Heidegger e interpretou, deste modo, a
Bíblia em sentido existencialista. Tal resposta, hoje, não apresenta mais algum
interesse; neste sentido Bultmann foi superado pela exegese atual. Mas
permaneceu a separação entre a figura de Jesus da tradição clássica e a ideia
de que se pode e se deve transferir essa figura ao presente, através de uma
nova hermenêutica.
A
este ponto, surge o segundo elemento, já mencionado, da nossa situação: o novo
clima filosófico dos anos sessenta. A análise marxista do história e da
sociedade foi considerada, nesse ínterim, conto a única dotada de caráter
“cientifico”, isto significa que o mundo é interpretado à luz do esquema da
luta de classes e que a única escolha possível é entre capitalismo e marxismo.
Significa, além disso, que toda a realidade é política e que deve ser
justificada politicamente. O conceito bíblico do “pobre” oferece o ponto de
partida para a confusão entre a imagem bíblica da história e a dialética
marxista; esse conceito é interpretado com a idéia de proletariado em sentido
marxista e justifica também o marxismo como hermenêutica legitima para a
compreensão da Bíblia. Ora, Segundo essa compreensão, existem, e só podem
existir, duas opções; pai isso, contradizer essa interpretação da Bíblia não é
senão expressão do esforço da classe dominante para conservar o próprio poder,
Gutierrez afirma: “A luta de classes é um dado de fato e a neutralidade acerca
desse ponto é absolutamente impossível”. A partir dai, torna-se impossível até
a intervenção do magistério eclesiástico: no caso em que este se opusesse a tal
interpretação do Cristianismo demonstraria apenas estar ao lado dos ricos e dos
dominadores e contra os pobres e os sofredores, isto é, contra o próprio Jesus,
e, na dialético da história, aliar-se-ia à parte negativo.
Essa
decisão, aparentemente “científica” e “hermeneuticamente” indiscutível,
determina por si o rumo da ulterior interpretação do Cristianismo, seja quatro
às instancias interpretativas, seja quatro aos conteúdos interpretados. No que
diz respeito as instâncias interpretativas, os conceitos decisivos são: povo,
comunidade, experiência, história. Se até então a Igreja, isto é, a Igreja
Católica na Sua totalidade, que, transcendendo tempo e espaço, abrange os
leigos (sensus fidei) e a hierarquia
(magistério), fora a instância hermenêutica fundamental, hoje tornou-se a
“comunidade” tal instância. A vivência e as experiências da comunidade
determinam agora a compreensão e a interpretação da Escritura. De novo pode-se
dizer, aparentemente de maneira muito científica, que a figura de Jesus,
apresentada nos Evangelhos, constitui uma síntese de acontecimentos e
interpretações da experiência de comunidades particulares, onde no entanto a
interpretação é muito mais importante do que o acontecimento, que, em si, não é
mais determinável. Essa síntese original de acontecimento e interpretação pode
ser dissolvida e reconstruída sempre de novo: a comunidade “interpreta” com a
sua “experiência” os acontecimentos e encontra assim sua “práxis”. Esta ideia,
podemos encontra-la em modo um tanto diverso do conceito de povo, com o qual se
transformou a acentuação conciliar da ideia de “povo de Deus” em mito marxista.
As experiências do “povo” explicam a Escritura. “Povo” torna-se assim um
conceito aposto ao de “hierarquia” e em antítese a todas as instituições
indicadas como forças da opressão.
Afinal,
é “povo” quem participa da “luta de classes”; a ”igreja popular” acontece em
oposição à Igreja hierárquica. Por fim, o conceito de “história” torna-se
instância hermenêutica decisiva. A opinião, considerada cientificamente segura
e irrefutável, de que a Bíblia raciocine em termos exclusivamente de história
da salvação, e portanto de maneira antí-metafísica. permite a fusão do
horizonte bíblico com a ideia marxista da história que procede dialeticamente
como autêntica portadora de salvação; a história é o autêntica revelação e
portanto a verdadeira instância hermenêutica da interpretação bíblica. Tal
dialético é apoiado, algumas vezes, pela pneumatologia. Em todo caso, também
esta última, no magistério que insiste em verdades permanentes, vê uma
instância inimiga do progresso, dado que pensa “metafisicamente” e assim
contradiz a “história”. Pode-se dizer que o conceito de história absorve o
conceito de Deus e de revelação. A “historicidade” da Bíblia deve justificar o
seu papel absolutamente predominante e, portanto, deve legitimar, ao mesmo
tempo, a passagem para a filosofia materialista-marxista, na qual a história
assumiu a função de Deus.
III. Conceitos Fundamentais da
Teologia da Libertação
Com
isto, chegamos aos conceitos fundamentais do conteúdo da nova interpretação do
Cristianismo. Uma vez que os contextos nos quais aparecem os diversos conceitos
são diferentes, gostaria de citar alguns deles, sem a pretensão de
esquematiza-los. Comecemos pela nova interpretação da fé, da esperança e da
caridade. Com relação a fé, por exemplo, J. Sobrinho afirma: a experiência que
Jesus tem de Deus é radicalmente histórica. “A sua fé converte-se em
fidelidade”. Por isso Sobrinho substitui fundamentalmente o fé pela “fidelidade
à história” (fidelidad a la historia, 143´144). Jesus é fiel à profunda
convicção de que o mistério da vida do homem ... é realmente o último ...
(144). Aqui produz-se aquela fusão entre Deus e história que dá a Sobrinho a possibilidade
de conservar para Jesus a fórmula de Calcedônia, ainda que com um sentido
completamente mudado; pode-se ver como os critérios clássicos da ortodoxia não
são aplicáveis à análise dessa teologia, Ignacio Ellacuria, na capa do livro
sobre este assunto, afirma: Sobrinho “diz de novo ... que Jesus é Deus,
acrescentando, porém, imediatamente, que o Deus verdadeiro é somente aquele que
se revela historicamente em Jesus e nos pobres, que continuam a sua presença.
Somente quem mantém unidas essas duas afirmações, é ortodoxo ...´.
A
esperança é interpretada como “confiança no futuro” e como trabalho pelo
futuro; com isso elo é subordinado novamente ao predomínio da história das
classes.
“Amor” consiste na “opção
pelos pobres”, isto é, coincide com a opção pela luta de classes. Os teólogos
da libertação sublinham com força, diante do “falso universalismo”, a
parcialidade e o caráter partidário da opção cristã; tomar partido é, segundo
eles, requisito fundamental de uma correta hermenêutica dos testemunhos bíblicos.
Na minha opinião, aqui se pode reconhecer muito claramente a mistura entre uma
verdade fundamental do Cristianismo e uma opção fundamental não cristã, que
torna o conjunto tão sedutor: o sermão da montanha é, na verdade, a escolha por
parte de Deus a favor dos pobres. Mas a interpretação dos pobres no sentido da
dialética marxista da histórla e a interpretação da escolha partidária no
sentido da lula de classes é um salto “eis allo genos” (grego: para outro
gênero), no qual as coisas contrarias se apresentam como idênticas.
O
conceito fundamental da pregação de Jesus é o de “reino de Deus”. Este conceito
encontra-se também no centro das teologia da libertação, lido porém no contexto
da hermenêutica marxista. Segundo J. Sobrinho, o reino não deve ser
compreendido espiritualmente, nem universalmente, no sentido de uma reserva
escatogicamente abstrata. Deve ser compreendido em forma partidária e voltado
para a práxis. Somente a partir da práxis de Jesus, e não teoricamente, é
possível definir o que seria o reino: trabalhar na realidade histórica que nos
circunda para transformá-la no reino (166). Aqui ocorre mencionar também uma
idéia fundamental de certa teologia pós-conciliar que impulsionou nessa
direção. Muitos apregoaram que, segundo o Concílio, se deveriam superar todas
as formas de dualismo: o dualismo de corpo e alma, de natural e sobrenatural,
de imanência e transcendência, de presente e futuro. Após o desmantelamento
desses duolismos, resta apenas a possibilidade de trabalhar por um reino que se
realize nesta história e em sua realidade político-econômica.
Mas justamente dessa forma
deixou-se de trabalhar pelo homem de hoje e se começou a destruir o presente, a
favor de um futuro hipotético: assim produziu-se imediatamente o verdadeiro
dualismo. Neste contexto gostaria de mencionar também a interpretação,
impressionante e definitivamente espantosa, que Sobrinho dá da morte e da
ressurreição. Antes do mais, ele estabelece, contra as concepções
universalistas, que a ressurreição é, em primeiro lugar, uma esperança para
aqueles que são crucificados; estes constituem a maioria dos homens: todos
aqueles milhões aos quais a injustiça estrutural se impõe como uma lenta
crucifixão (176 e seguintes). O crente, no entanto, participa também do
senhorio de Jesus sobre a história, através da edificação do reino, isto é, na
luta pela justiça e pela libertação integral, na transformação das estruturas
injustas em estruturas mais humanas. Esse senhorio sobre o história é
exercitado ao se repetir o gesto dê Deus que ressuscita Jesus, isto é, dando
novamente vida aos crucificados da história (181). O homem assumiu o gesto de
Deus e aqui a transformação total da mensagem bíblica se manifesta de maneiro
quase trágica, se se pensa em como essa tentativa de imitação de Deus se
desenvolveu e se desenvolve ainda.
Gostaria de citar apenas
alguns outros conceitos: o êxodo se transforma em uma imagem central da
história da salvação; o mistério pascal é entendido como um símbolo
revolucionário e, portanto, a Eucaristia é interpretada como uma festa de
libertação no sentido de uma esperança político-messiânica e da sua práxis. A
palavra redenção é substituída geralmente por libertação, a qual, por sua vez,
é compreendida, no contexto da história e da luta de Classes, como processo de
libertação que avança, por fim, é fundamental também a acentuação da práxis: a
verdade não deve ser compreendido em sentido metafísico; trata-se de
“idealismo”. A verdade realiza-se na história e na práxis, A ação é a verdade.
Por conseguinte, também as idéias que se usam para ação, em última instância
são intercambiáveis. A única coisa decisiva é a práxis. A práxis torna-se,
assim, o única .e verdadeira ortodoxia. Desta forma justifica-se um enorme
afastamento dos textos bíblicos: a crítica histórica liberta da interpretação
tradicional, que aparece como não científica. Com relação ó tradição,
atribui-se importância ao máximo rigor cientifico na linha de Buftmann. Mas os
conteúdos da Bíblia, determinados historicamente, não podem, por sua vez, ser vinculantes
de modo absoluto. O instrumento para a interpretação não é, em última análise,
a pesquisa histórica, mas, sim, a hermenêutica da história, experimentada na
comunidade, isto é, nos grupos políticos, sobretudo dado que a maior parte dos
próprios conteúdos bíblicos deve ser considerada como produto de tal
hermenêutica comunitária.
Quando
se tenta fazer um julgamento geral, deve-se dizer que, quando alguém procura
compreender as opções fundamentais da teologia da libertação não pode negar que
o conjunto contém uma lógica quase incontestável. Comi as premissas da critica
bíblica e da hermenêutica fundada na experiência, de um lado, e da análise
marxista da história, de outro, conseguiu-se criar uma visão de conjunto do
cristianismo que parece responder plenamente tanto às exigências da ciência,
quanto aos desafios morais dos nossos tempos. E, portanto, impõe-se aos homens
de modo imediato o tarefa de fazer do Cristianismo um instrumento da
transformação concreta do mundo, o que pareceria uni-lo a todas as forças
progressistas da nossa época. Pode-se, pois, compreender como esta nova
interpretação do Cristianismo atraia sempre mais teólogos, sacerdotes e
religiosos, especialmente no contexto dos problemas do terceiro mundo.
Subtrair-se a ela deve necessariamente aparecer aos olhos deles como uma evasão
da realidade, como uma renúncia à razão e à moral. Porém, de outra parte,
quando se pensa o quanto seja radical a interpretação do Cristianismo que dela
deriva, torna-se ainda mais urgente o problema do que se possa e se deva fazer
frente a ela.
* * * À guisa de comentário,
parece oportuno salientar os seguintes pontos:
1) A
Teologia da Libertação não é um novo tratado teológico ao lado de outros já
existentes, mas é uma nova interpretação do Cristianismo, que revira
radicalmente as verdades da fé, a constituição da Igreja, a Liturgia, a
catequética e as opções morais.
2) Todos os valores e toda a
realidade são considerados do ponto de vista político. Uma teologia que não
seja essencialmente política, é encarada como fator de conservação dos
apressares no poder.
3) A
dificuldade de se perceber esse caráter subversiva da Teologia da Libertação
está, em grande parte, no fato de que os seus arautos continuam a usar a
linguagem ascética e dogmática da Igreja, embora em chave nova. Isto dá aos
observadores a impressão de que estão diante do patrimônio da fé acrescido de
algumas afirmações religiosas que não podem ser perigosas.
4) A
gravidade da Teologia da Libertação não é suficientemente avaliada; não entra
em nenhum esquema de heresia até hoje existente.
5) O
cristão não pode ser, de forma alguma, insensível à miséria dos povos do
Terceiro Mundo. Todavia, para acudir cristãmente a tal situação, não lhe é
necessário adotar um sistema de pensamento que é anticristão como a Teologia da
Libertação; existe a doutrina social da Igreja, desenvolvida pelos Papas desde
Leão XIII até João Paulo II de maneira cada vez mais incisiva e penetrante. Se
fosse posta em prática, eliminaria graves males de que sofrem os homens, sem disseminar
o ódio e a luta de classes.
Fonte: www.cleofas.com.br